Certamente que isto é uma grande parte da nossa dignidade... que possamos conhecer e que, através de nós, a matéria possa conhecer-se a si própria; que, começando com protões e electrões, saídos do princípio dos tempos e da vastidão do espaço, possamos começar a entender; que, organizados como estão em nós, o hidrogénio, o carbono, o nitrogénio, o oxigénio, esses 16 a 21 elementos, a água, a luz do Sol- todos eles, tendo-se transformado em nós, possam começar a entender o que são, e como se tornaram nisso. George Wald (Prémio Nobel da Medicina e Fisiologia) (1964)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Cabras Ibex - Uma lição de optimismo

Sejamos sinceros: de um modo geral, as cabras nunca foram muito populares. Nunca ninguém gosta realmente muito delas. E, provavelmente desde o fim da Heidi nas Montanhas, nenhum miúdo deve referi-las como o seu animal preferido. Ostracizámos desde cedo estes animais de quatro patas, presenteando-os com a nossa indiferença. Mas elas existem. E nós temos muito a aprender com elas. Ora veja.
Experimente fazer o seguinte exercício: abra um dicionário de Língua Portuguesa na letra “C” e procure a palavra cabra. Provavelmente vai encontrar lá algo deste género:
cabra1|s.f|s.2 gén.
1. Mamífero ruminante cavicórneo; 2. Fêmea do bode; 3. Pequeno guindaste; 4. Insecto semelhante à aranha e que anda à tona de água; 5. Peixe do género triglo, também conhecido por cabrita ou cabrinha; 6. Mulher de mau génio ou que berra muito; 7. Prostituta, rameira.
8. Bebedeira; 9. Mestiço filho de mulato e negra ou vice-versa.
Agora exclua o 1 e 2, que são as características gerais da cabra, ou o que a define; exclua também o 3, o 4 e o 5 – que podemos considerar como particularidades à volta do nome cabra; e detenha-se exclusivamente no 6, no 7 e no 8. Não são muito lisonjeadores, pois não? Principalmente, o 7.
Se tentar fazer o mesmo exercício com as palavras: porca, vaca ou cadela, verá que nenhum desses nomes é considerado tão ofensivo se usado fora do reino animal. Curioso, não? O que nos leva a perguntar que mal terão feito as cabras para ficarem associadas a tamanha sujidade de campo semântico.
Mas adiante. Se vir um pouco mais à frente no seu dicionário, também por lá deverá encontrar algo como: cabra montês ou montesa: cabra selvagem encontrada nos Alpes europeus e em regiões montanhosas da Ásia e da África, com longos chifres estriados e curvados para trás e pêlo de cor parda. Pois bem, nos Alpes Italianos, mais concretamente na Barragem de Cingino, há uma espécie de cabra montês em particular que parece realmente estar-se nas tintas para o que os outros podem ou não pensar delas. São as cabras ibex.



As cabras ibex são conhecidas entre outras coisas pelas suas excelentes capacidades de escalada. Normalmente, escalam rochedos e coisas que tais, mas nesta região a Norte de Itália elas esmeraram-se e resolveram escalar as paredes de uma barragem com nada mais, nada menos, do que 48.76 metros de altura e com uma inclinação de quase 90º. Calcula-se que não sofram de vertigens.
Cá de baixo, nós, os que temos polegares oponíveis, mas que, sem recurso a bom material de escalada, dificilmente conseguiríamos fazer o mesmo, usamos um outro dedo, o indicador, e vaticinamos o juízo final: estas cabras só podem estar doidas.
Estes animais herbívoros alimentam-se fundamentalmente de ervas, feno, plantas e folhas, e refugiam-se nas alturas como forma de escapar aos seus predadores: ursos, lobos, raposas, águias douradas e nós, os humanos. Mas mesmo isto não justifica inteiramente a subida da barragem de Cingino, com tão bom rochedo e de vista desafogada que pulula os alpes italianos. Será puro exibicionismo?
Aparentemente, a resposta está no sal contido nos tijolos da barragem. Estes são ricos em sais minerais, e elas parecem gostar mesmo muito disso, para desafiarem de forma tão descarada a lei da gravidade e ainda terem a petulância de não mostrar qualquer receio em caírem dali abaixo.
Não se sabe quem foi a cabra que primeiro terá tido ideia tão inovadora, nem porque é que as outras decidiram segui-la. A única coisa que sabemos é que essa cabra viu algo de que gostou e foi na sua direcção. Não pensou na barragem como um obstáculo - tirou partido dela.
Não vem no dicionário mas, entre outras coisas, estamos em crer que ser uma cabra implica ter coragem e uma atitude descomplicada face às situações do dia-a-dia. Porque apesar de poderem morrer a tentar lamber o sal de que tanto gostam, o medo não faz parte do seu léxico. Elas não se preocupam. Personificam o optimismo e desconhecem o significado da palavra impossível. Só querem mesmo saber do sal que lhes dá sabor à vida.



Fonte: obvious

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